I ENCONTRO VIRTUAL DO CONPEDI
DIREITO, ARTE E LITERATURA I

Nos momentos de crise, não é o conhecimento especializado, mas o interdisciplinar (como um gênero que envolve também o multidisciplinar, o transdisciplinar e até o indisciplinar) que tem encontrado respostas para nossos problemas, pois é nas margens, não no centro da ciência normal, que encontramos tanto o sentido quanto o ímpeto para a mudança de paradigmas. Essa ideia, por si só, justificaria a existência de um Grupo de Trabalho de Direito, Arte e Literatura no CONPEDI, mas, como mostram as contribuições aqui reunidas, a pesquisa e produção bibliográfica neste campo tem alcançado uma diversidade de temas e de métodos, e, apesar disso, uma tal unidade epistemológica, que, cada vez mais, pesquisadores de outros campos têm sido atraídos para esta temática.

Os trabalhos aqui reunidos articulam-se em torno de três temáticas: o problema da interdisciplinaridade do saber jurídico, e do recurso a obras de arte, cinema e literatura para elucidar o campo do Direito; o uso da teoria literária, em especial da teoria da narrativa, como metateoria para o conhecimento jurídico; e o uso de uma perspectiva hermenêutica que visa à construção do entendimento (que se caracteriza sobretudo como mediação no Direito, e como o problema do significado da obra literária e da obra de arte).

Em sua pesquisa, Othoniel Ceneceu Ramos Júnior e Jorge Vieira da Rocha júnior usam como exemplo da transdisciplinaridade a dificuldade para o Direito de determinar quando se inicia a vida humana sem lançar mão de outros saberes, que aponta, de um lado, para o uso da literatura enquanto prática interpretativa após o giro linguístico do século XX e a crise do Positivismo Jurídico, como analisada por Aline Mariane Ladeia Silva, e de outro, para os problemas inerentes à coerência, essencial para a proteção judicial de grupos estigmatizados, como demonstra Rogério Borba.

Eduardo Aleixo Monteiro analisa o desenvolvimento do movimento Direito e Literatura no Brasil, classificando seus autores em três períodos, a que chama de “Pais fundadores”, “Movimento” e “Empreendimento” (marcado, este último, pela criação a Rede Brasileira de Direito e Literatura – RDL). Aliás, a Literatura de Língua portuguesa é usada de modo privilegiado pelos autores aqui reunidos para desenvolver suas teses: Sofia Alves Valle Ornelas analisa o romance Inocência, de Taunay, para demonstrar como a criminalização do charlatanismo se dá por um discurso normativo de profundas consequências econômicas; Laís da Silva Lopes Furtado analisa a mudança na visão da crítica literária sobre a personagem Capitu, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, para questionar a imparcialidade do próprio Direito; Lorenna Roberta Barbosa Castro e Helena de Machado estudam o romance Helena, também de Machado de Assis, para verificar os avanços e retrocessos na construção de direitos, sobretudo das mulheres, na sociedade brasileira; Amanda Greff Escobar e Flávia Moreira Guimarães Pessoa apresentam, a partir de um poema de Carlos Drummond de Andrade, o processo de construção da empatia na mediação; Gisleule Maria Menezes Souto também lança mão de Carlos Drummond, bem como da hermenêutica heideggeriana, para analisar o que é, afinal, o homem; e Ellen Carina Mattias Sartori e Audrey do Nascimento Sabbatini Martins estudam, em obras como Os Lusíadas, de Camões, e Os Maias, de Eça de Queirós, o papel do afeto como fundamento no casamento.

A análise de obras literárias não se restringiu àquelas da literatura de língua portuguesa. Fabiana Marion Spengler estuda a comédia As Vespas, de Aristófanes, e os mecanismos de resolução de conflitos; Luciana Gonçalves Dias e Regina Vera Villas Bôas investigaram a patologia fantástica em Cem Anos de Solidão, de Garcia Marques, e Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago para enfatizar a importância da força jurídico-constitucional do direito à saúde; Fernanda Leontsinis Carvalho Branco utiliza-se de A morte de Ivan Illitch, de Tolstoi, para analisar as diretivas antecipadas da vontade no Biodireito; e Edloy Menezes estuda o totalitarismo a partir da obra de Hannah Arendt.

Além disso, alguns trabalhos aqui reunidos analisam o cinema e sua importância para a compreensão do Direito. Sérgio Leandro Carmo Dobarro e João Henrique Pickcius Celant exploram o filme O Pianista para demonstrarem o papel do cinema no despertar da visão humanística dos alunos (e profissionais) de Direito; Mara Regina de Oliveira e Marcelo Brasil de Souza Moura comparam os filmes Abril Despedaçado e Bacurau para denunciar as consequências da omissão do Estado em contextos sociais; Lícia Chaves Leite estuda o HC 126.292 e a presunção de inocência à luz do filme The Blue Thin Line; e Leandra Chaves Tiago e Carina Barbosa da Costa Silva analisam a vulnerabilidade de profissionais do sexo à luz do filme Dangerous Beauty (A luta pelo amor).

Esta coletânea se encerra com uma pesquisa sobre o quadro The Rock, de Peter Blume, para compreender a dialética entre destruição e reconstrução e com uma pesquisa sobre os Direitos Autorais para marcar a diferença entre concepções e seu impacto no problema da pirataria na internet.

Todas essas contribuições demonstram ao mesmo tempo a interesse que o tema desperta e o compromisso metodológico desses autores.

Marcelo Campos Galuppo

Regina Vera Villas Bôas

Coordenadores

23 de junho de 2020, ano da Pandemia (Covid-19)

Nota técnica: O artigo intitulado “História em quadrinhos e histórias de vida de professoras trans: emergências temáticas no CONPEDI” do autor Renato Duro Dias foi apresentado no GT Gênero, Sexualidades e Direito I.

Os artigos do Grupo de Trabalho Direito, Arte e Literatura apresentados no I Encontro Virtual do CONPEDI e que não constam nestes Anais, foram selecionados para publicação na Plataforma Index Law Journals (https://www.indexlaw.org/), conforme previsto no item 8.1 do edital do Evento, e podem ser encontrados na Revista de Direito, Arte e Literatura. Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.

ISBN:978-65-5648-034-3

Trabalhos publicados neste livro: