I INTERNATIONAL EXPERIENCE PERUGIA - ITÁLIA
Relações Laborais Transnacionais E Novas Tecnologias I
O Grupo de Trabalho Relações Laborais Transnacionais e Novas Tecnologias I, apresentado no âmbito do I International Experience, realizado em Perugia, Itália, reuniu uma série de reflexões críticas sobre os impactos das transformações tecnológicas no mundo do trabalho, com atenção especial às novas formas de vínculo laboral, aos desafios regulatórios e às assimetrias de proteção social. Os artigos selecionados para compor esta coletânea abordam com profundidade e rigor temático os principais vetores de precarização, as tensões entre inovação e garantia de direitos, bem como os dilemas jurídicos diante da digitalização e da globalização das relações de trabalho.
A abertura dos anais concentra-se nos debates sobre o trabalho por plataformas digitais, questão central na agenda jurídica contemporânea e que demanda reavaliações normativas urgentes. Os textos que compõem esse primeiro bloco problematizam os limites do ordenamento atual frente às novas formas de subordinação e organização coletiva.
Ricardo Machado Lourenço Filho e Hannah Porto Yamakawa, no artigo "A garantia da liberdade sindical no trabalho por plataformas digitais: exame da proposta do governo brasileiro a partir dos padrões da Corte Interamericana de Direitos Humanos", analisam criticamente o Projeto de Lei Complementar n. 12/2024. Os autores demonstram, à luz dos parâmetros definidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que a proposta legislativa brasileira é insuficiente para garantir o direito à liberdade sindical aos trabalhadores por plataformas digitais, principalmente quanto à representatividade e à negociação coletiva.
Na mesma direção crítica, Noemia Aparecida Garcia Porto e Ana Paula Porto Yamakawa, em "A insuficiência do modelo da parassubordinação para orientar marco regulatório protetivo dos trabalhadores por plataformas digitais: o caso do PLP 12/2024 no Brasil", contrapõem o modelo proposto no Brasil à experiência regulatória da Itália. A análise evidencia que a parassubordinação, como figura jurídica consolidada no ordenamento italiano, oferece maior efetividade protetiva e, por isso, coloca em xeque a constitucionalidade do PLP brasileiro no contexto das relações de trabalho mediadas por tecnologia.
Complementando essa abordagem normativa, Luciano Vieira Carvalho e Denise Rodrigues Martins, no artigo "Ascensão do trabalho por plataforma e os impactos na regulação e na proteção dos direitos trabalhistas", exploram o fenômeno do capitalismo de plataforma e a consequente flexibilização das relações laborais. A pesquisa revela que, no Brasil, a ausência de reconhecimento do vínculo empregatício por parte da jurisprudência majoritária contribui para a precarização estrutural dos trabalhadores.
Após essa sólida base de crítica normativa ao trabalho por plataformas, os artigos seguintes deslocam o olhar para as instituições jurídicas e a formação dos profissionais do direito, analisando o papel desses atores e estruturas na mediação das transformações em curso.
Eduardo Augusto Gonçalves Dahas, Alan Guimarães e Roberto Apolinário de Castro, no artigo "A gestão organizacional a partir dos desafios da relação empregado e empregador: a necessária participação do operador do direito e sua formação humana", questionam o modelo tradicional de ensino jurídico brasileiro e propõem uma abordagem interdisciplinar, humanística e adaptada à realidade organizacional contemporânea. O estudo defende uma atuação mais propositiva e transformadora por parte dos juristas nas relações de trabalho.
Na continuidade, Eduardo Augusto Gonçalves Dahas, Alexandre Hugo Pereira de Carvalho Rodrigues e Alan Guimarães, em "A modernização do processo trabalhista no Brasil: oportunidades e desafios com o uso de tribunais online", analisam as propostas de digitalização da Justiça do Trabalho com base na obra de Richard Susskind. O texto destaca os benefícios das soluções tecnológicas para acelerar e democratizar o acesso à justiça, sem desconsiderar os riscos de exclusão digital e fragilidade de garantias processuais.
Tais reflexões institucionais introduzem o debate sobre a dimensão transnacional das novas formas de trabalho, destacando como a mobilidade digital impõe desafios adicionais à regulação jurídica e à efetivação de direitos em contextos globalizados.
A ampliação do escopo jurídico e territorial das análises conduz, naturalmente, à abordagem das desigualdades estruturais que se reproduzem — e muitas vezes se acentuam — nas novas formas de trabalho. O bloco seguinte dedica-se à interseccionalidade entre trabalho, raça, gênero e deficiência.
Rosane Teresinha Porto, Juliana Tozzi Tietböhl e Tânia Regina Silva Reckziegel, no artigo "O mundo do trabalho e as mulheres negras: uma análise sobre a condenação do Brasil por discriminação racial frente à Corte Interamericana de Direitos Humanos", discutem o caso Dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes vs. Brasil. A pesquisa demonstra como a Corte IDH reconheceu a omissão do Estado em casos de discriminação interseccional, apontando para a urgência da efetividade do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial.
No mesmo eixo, Rosane Teresinha Porto, Juliana Tozzi Tietböhl e Andre Ricardo Guimarães Reckziegel, no artigo "Teletrabalho e TEA: uma análise das possibilidades de adaptação razoável pelo prisma da Teoria das Capacidades de Martha Nussbaum", propõem uma leitura do teletrabalho como instrumento de inclusão para pessoas com Transtorno do Espectro Autista. A partir da Teoria das Capacidades, os autores indicam que, apesar do potencial de acessibilidade, o teletrabalho exige suporte institucional adequado para se concretizar como direito efetivo.
Encerrada a análise dos sujeitos historicamente marginalizados nas dinâmicas laborais, a coletânea avança para os impactos diretos da automação, da inteligência artificial, da vigilância digital e das inovações tecnológicas emergentes — como os jogos eletrônicos — sobre as relações de trabalho, exigindo atenção jurídica redobrada e políticas regulatórias específicas.
Regina Celia Pezzuto Rufino, em "Desdobramentos jurídico-normativos da automação: a reconfiguração do trabalho humano diante da inteligência artificial", investiga o desemprego tecnológico e os desafios que a automação impõe ao ordenamento jurídico. A autora propõe políticas públicas e adaptações legislativas para proteger o trabalhador em meio à substituição da força de trabalho por máquinas e algoritmos.
O estudo de Natália Varotto Baroncini, Silvana Souza Netto Mandalozzo e Adriana De Fatima Pilatti Ferreira Campagnoli, intitulado "Trabalho (in)decente em tempos de inteligência artificial: entre a otimização e a exclusão", reforça esse diagnóstico ao discutir a ameaça da IA aos postos de trabalho intelectuais e administrativos. O texto questiona a ausência de regulamentação do art. 7º, XXVII, da Constituição Federal e defende políticas equilibradas entre inovação e proteção social.
Complementando esse panorama tecnológico, Silvana Weinhardt De Oliveira, Silvana Souza Netto Mandalozzo e Adriana De Fatima Pilatti Ferreira Campagnoli, em "Tecnologia de vigilância: o call center como panóptico na realidade do trabalhador", aplicam a teoria foucaultiana para analisar os efeitos do controle digital contínuo sobre operadores de telemarketing. A pesquisa denuncia os impactos sobre a saúde mental e a dignidade do trabalhador e propõe limites normativos à vigilância tecnológica.
Como desfecho, os dois últimos artigos ampliam a reflexão para a crítica histórico-cultural da alienação laboral, iluminando as continuidades entre as formas de opressão do passado industrial e as dinâmicas contemporâneas de subordinação tecnológica.
Raquel Bossan, em "O (des)ajustamento do trabalhador à indústria no Brasil: faces do trabalhador industrial no passado, no presente e futuro", revisita o processo de industrialização brasileira a partir da obra de Juarez Rubens Brandão Lopes, destacando a perpetuação da precarização e marginalização da classe trabalhadora mesmo diante das sucessivas revoluções tecnológicas.
Encerrando esta coletânea, Mariana Telles Cavalcanti e Isabela Fernandes Pereira, no artigo "Um trabalho misterioso e importante: a série ‘Ruptura’ como alegoria da alienação do trabalho no capitalismo tecnológico", propõem uma leitura da série como crítica às promessas emancipatórias da tecnologia. A obra é apresentada como alegoria do estranhamento do trabalhador, revelando o papel da arte como instrumento de denúncia e de humanização do pensamento jurídico.
ISBN:978-65-5274-091-5
Trabalhos publicados neste livro: