V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI
CRIMINOLOGIAS E POLÍTICA CRIMINAL II

I. Nas datas de 08, 09 e 10 de Setembro de 2016, o V Encontro Internacional do Conpedi foi realizado em Montevidéu, Uruguai. Em meio às dependências da Faculdade de Direito da Universidad de la Republica Oriental del Uruguay ocorreram os debates relativos aos Grupos de Trabalho onde os autores dos artigos e pesquisas aceitos para a apresentação e publicação tiveram oportunidade de realizar uma introdução e um breve resumo dos mesmos, seguido de debates relativos aos temas, métodos e abordagens tratadas.

As exposições foram coordenadas pelos dois coordenadores que aqui subscrevem, relativamente ao Grupo de Trabalho (GT) n. 26, intitulado Criminologias e Política Criminal (II) – em virtude de ser o segundo conjunto de trabalhos agrupado em um GT envolvendo as mesmas temáticas, o que dá ideia, e alegria, em relação à dimensão e à quantidade de trabalhos e pesquisadores envolvidos com a matéria, em ambos países.

Os coordenadores propuseram a divisão das apresentações da sala em três blocos temáticos – dadas afinidades de objetos e perspectivas – nos quais os autores e autoras expuseram seus trabalhos seguidos de intervenções dos presentes, incluindo os demais autores e uma satisfatória presença de público ouvinte. Alguns trabalhos não se encaixavam propriamente nas temáticas majoritárias dos blocos, mas os próprios autores em rápido arranjo e discussão sob o crivo dos coordenadores associaram as temáticas se não similares, mais afins em relação aos temas trabalhados e assim se compuseram os referidos blocos.

II. No primeiro bloco de trabalhos, voltado para questões acerca do debate da violência sexual e as rupturas de paradigma, sistêmicas e culturais que a envolvem, foram apresentados dois trabalhos. O primeiro, nomeado “O PERMANENTE DESAFIO DO ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR”, de Mirza Maria Porto de Mendonça, abordava entre outros casos, a figura do “homem abusador”, o envolvendo em um debate sobre eventual inimputabilidade, senão que, mais acertadamente, em uma questão em torno da impunidade como fragmento de uma questão cultural, de gênero. Ademais, fora discutido o fato de que através do Direito Penal, muitas vezes, o problema de gênero é ocultado com um arcabouço teórico que não brinda com uma solução efetiva do problema e do conflito ali depurado. A segunda exposição esteve a cargo de Jaime Meira do Nascimento Junior, intitulada “A DEFESA DA LIBERDADE SEXUAL COMO MUDANÇA DE PARADIGMA NO ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CASO DE DROGADIÇÃO” (artigo escrito com coautoria de Milena Zampieri Sellmann). O trabalho abordou um rumoroso caso recente de violência sexual ocorrido no Brasil e levou a um interessante debate sobre as formas de abordagem social e cultural desse tipo de questão, assim como os desafios jurisprudenciais para imputações e resoluções de casos envolvendo essa temática, levando em conta justamente formas de trato, ou de amenizar os efeitos das considerações morais e de gênero em relação a esses eventos;

III. No segundo bloco temático de apresentações, foram apresentados e discutidos trabalhos que envolviam discussões epistemológicas a respeito da criminologia, seus objetos, vias paradigmáticas e alcances teóricos e políticos de suas considerações. O bloco (mais extenso) foi aberto com Isabella Miranda da Silva com o trabalho intitulado “PERMANÊNCIAS HISTÓRICAS DO CONTROLE PENAL E DOS DISCURSOS CRIMINOLÓGICOS GENOCIDAS: APROPRIAÇÃO DAS IDEIAS E RESISTÊNCIA NA AMERICA LATINA”, seguindo com Brunna Laporte Cazabonnet com “O POPULISMO PUNITIVO: A MANUTENÇÃO DA ORDEM SOCIAL PELA VIA PENAL”. Após, expôs Rômulo Fonseca Morais sobre O’ PAPEL DA CRÍTICA CRIMINOLÓGICA E DA TEORIA DO DIREITO NA (DES)LEGITIMAÇÃO DO DIREITO PENAL E DO EXERCÍCIO DO PODER DE PUNITIVO”. A dupla de autores Debora Simões Pereira e Diego Fonseca Mascarenhas dissertaram em sequência sobre “DIREITO PENAL E CONTROLE SOCIAL: MANUTENÇÃO DE UM DISCURSO QUE LEGITIMA A EXPANSÃO DO PODER PUNITIVO”. Finalmente, expuseram sobre seu trabalho Janaina Perez Reis e Moneza Ferreira de Souza, intitulado “PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO CONJUNTO PENAL TEIXEIRA DE FREITAS: UMA ANÁLISE SOBRE A PROBLEMÁTICA CARCERÁRIA BRASILEIRA”.

Nesse bloco temático, os debates foram permeados pela discussão em torno da expansão do Direito Penal e sobre como essa expansão é legitimada por uma série de discursos paralelos ao curso programático da legislação penal. De sobremaneira, se discutiram: a) a massiva criminalização de pessoas e setores vulneráveis em relação a clivagens de classe social e etnia, propriamente, atualizando e trazendo questões relativas às estigmatizações criminais e, b) o papel dos discursos criminológicos (e acadêmicos) em relação aos rumos que esses próprios discursos críticos merecem tomar, questionando-se as efetivas sendas teóricas e epistêmicas que se deve ter a partir dessas constatações (mormente a da seletividade – ou das varias seletividades – que o sistema penal engendra).

IV. No último bloco, alguns temas afins deram o tom da reunião temática, muito embora se pode também diversificar os objetos de análise dos trabalhos: se iniciou com a exposição de Felipe Machado Veloso, intitulada “A MÍDIA E O DISCURSO DE LEGITIMAÇÃO DOS LINCHAMENTOS: A TRANSFORMAÇAO DO SUSPEITO EM UM SER MATÁVEL NA NARRATIVA DE UM CASO OCORRIDO EM VARGEM ALTA/ES” (trabalho realizado em conjunto com Humberto Ribeiro Júnior). Posteriormente Alvaro Filipe Oxley da Rocha expôs sobre “CRIMINOLOGIA MIDIÁTICA: CONCORRÊNCIA E LEGITIMIDADE SOBRE O SISTEMA PENAL”. E em seguida, Felipe Da Veiga Dias tratou do tema “PUNITIVISMO MIDIÁTICO NOS PROGRAMAS POLICIALESCOS E REGULAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL COM BASE NOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ENSINAMENTOS URUGUAIOS COM A ESTRATEGIA POR LA VIDA Y LA CONVIVENCIA”. Esses trabalhos – focados na relação das agências do sistema penal e sua relação com a política criminal permeada, muitas vezes, pela obra e discurso midiáticos conduziram a reflexões sobre o papel dos meios de comunicação de massa em ligação com o Estado, seus atores e a própria aplicação da lei e do influxo punitivo. Tratou-se de um Direito Penal que se transmuta cada vez mais, galopantemente, em simbólico, com fins de alimentar uma proposta e um discurso que podem ser monitorados e impugnados criminologicamente.

O trabalho seguinte foi “ALGUNS ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DE CRIMINOLOGIA CULTURAL” a cargo de Theuan Carvalho Gomes da Silva. Posteriormente, expôs Carmen Hein De Campos como “REVISTANDO AS CRÍTICAS FEMINISTAS ÁS CRIMINOLOGIAS”. Encerraram o bloco, e a sessão, Marcia Fátima da Silva Giacomelli e Jossiani Augusta Honório Dias com o trabalho “ENTREVISTA COM CRIANÇAS O DESAFIO DO DEPOIMENTO COM REDUÇÃO DE DANOS. A DESTREZA DE ATENUAR A REVITIMIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLENCIA”. Essa parte do bloco, mais heterogênea, mas igualmente rica e interessante, perpassou elementos fulcrais, como o intercâmbio evidente entre a sociedade e a cultura e o lastro das mesmas e dos estudos sociais na própria matriz criminológica e sua base de crítica política. Igualmente evidenciada a falta (ou as ausências – muitas vezes literais) de uma ‘criminologia feminista’, bem como as causas possíveis e efeitos dessa falência que se retroalimenta: déficit até mesmo de uso de autoras feministas e o descuido da visualização da criminologia crítica, feminista e marginal por autores homens e eurocêntricos. Igualmente, a questão do processo e seus mecanismos (sobretudo aqueles relativos aos depoimentos e seus métodos) como revitimizadores e o impacto ainda mais negativo que técnicas inadequadas causam nessa seara, como objeto rico de análise pelo viés criminológico.

V. Ao final dos trabalhos e discussões, as opiniões e exposições conjuntas revelaram uma intensa convergência de fatores ligados ao estudo e a discussão da criminologia, tanto na Academia brasileira, como na uruguaia: muito da base crítica é proposta contemporaneamente a partir dos arcabouços e matrizes críticas que gravitam em torno de teses de pensadores como M. Foucault, A. Baratta, C. Roxin, E. R. Zaffaroni, os quais foram largamente citados ao longo dos trabalhos. Isso, inegavelmente demonstra uma espécie de vértice político de mesma direção e visão de uma ciência ou saber penal integrado (envolvendo Direito Penal, Criminologia e Política Criminal), em ambos países, sendo que em razão inclusive da comunhão de entraves e desafios nesse campo, entre as duas realidades não muito distintas. A necessidade e a propriedade da discussão conjunta (bem como em relação à América Latina, como um todo) é proeminente.

Porém, a manutenção do status quo, mesmo criminológico-crítico, é perturbadora e dessa forma, é esperançoso ver que várias brechas e caminhos de abertura são feitos em busca de uma implementação maior de igualdades, garantias e liberdades, através de questionamentos mesmo em relação aos padrões, standards e cânones críticos.

Se a própria crítica criminológica não estiver em movimento, sua estagnação pode ser tão perigosa politicamente (político-criminalmente) quanto o são os seus objetos típicos de análise. Esperamos que a leitura dos presentes trabalhos discutidos em Montevidéu sirva também para esse propósito.

Prof. Dr. Florencio Macedo Maggi

Doctor en Derecho y Ciencias Sociales. Docente Aspirante em la Universidad de La Republica – UY. Abogado miembro de lo Colegio de Abogados de Uruguay.

Prof. Dr. Gabriel Antinolfi Divan.

Doutor em Ciências Criminais. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo – Brasil. Advogado.

ISBN:978-85-5505-219-4