V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS I

O V Encontro Internacional do CONPEDI, realizado na Universidad de la República, em Montevidéu, no Uruguai, propiciou a aproximação de pesquisadores e alunos de diversos Programas de Pós-Graduação em Direito brasileiros e pesquisadores uruguaios. Com o foco na internacionalização da pesquisa jurídica do Brasil, o Grupo de Trabalho 55 dedicou-se à discussão de uma variada gama de temas, que foram reunidos sob a temática de Direitos e Garantias Individuais. A seguir se destacam, em linhas gerais, os artigos que foram apresentados neste GT, integrantes desta publicação.

O primeiro trabalho é intitulado A preservação do direito fundamental à saúde: um estudo do princípio da reserva do possível, sendo de autoria de Cloris Patricia Pimente e Anisio Monteschio Junior, e aborda a repercussão das dificuldades de acessar o SUS e a judicialização do direito à saúde. Esta última vem afetando a complexidade do sistema administrativo, gerando dúvidas sobre a origem dos recursos, que são escassos. Como cumprir a decisão judicial constante de busca individualizada do direito coletivo à saúde? O direito fundamental à saúde está atrelado ao direito à vida, por isso não é absoluto. Os autores destacam a necessidade de políticas públicas, ao invés do recurso ao Poder Judiciário, o que acaba refletindo numa questão orçamentária.

O segundo texto, intitulado: Mandado de Injunção e Jurisdição dialógica: algumas considerações a partir do caso do MI nº 943, escrito por Renata de Marins Jaber Rosa, discute a função do Mandado de Injunção no contexto jurídico-constitucional brasileiro. Desde 2007, o STF definiu a solução normativa do MI. A questão sobre os efeitos ainda é polêmica, sejam efeitos inter partes ou erga omnes. Na questão do MI 943, ao julgar o pedido, o STF acabou gerando um reflexo forte sobre o Poder Legislativo, que editou a legislação, sobre o aviso prévio proporcional, objeto deste Mandado de Injunção. Trata-se de um instrumento jurídico ainda pouco utilizado no Brasil, em que pese ainda existirem muitos artigos da Constituição do Brasil sem regulamentação ordinária.

O texto que segue, intitulado O bem de família do fiador e seu direito de moradia, da lavra de Daniele Ferron D’Avila e Nicholas Augustus de Barcellos Nether, traz a discussão acerca da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador. O problema que buscou enfrentar: Isso é ou não constitucional? Estão em oposição o direito de moradia do fiador e o direito de proteção à locação que é do proprietário. O art. 827, do CC, traz o benefício de ordem, o fiador poderá, no prazo da defesa, indicar bens do locatário que poderão ser objeto de penhora, desde que no mesmo município onde está o imóvel locado. Este artigo acaba não viabilizando uma solução para o locador. Os diversos Tribunais de Justiça ainda não harmonizaram o entendimento, mas há uma sinalização no sentido da penhorabilidade do bem do fiador. O STJ entende que o fiador, quando assina o contrato e dá o bem em garantia, está ciente dos efeitos jurídicos e, por isso, não há uma violação constitucional. A simples aplicação da lei ao caso concreto é insuficiente, se deve lê-la à luz dos princípios da CF/88. Se deveriam utilizar outras formas de garantia, ao invés da fiança, que somente caberia se o fiador tivesse dois imóveis.

Na sequência se poderá ler o texto: A identidade de gênero do transexual na principiologia da igualdade numa perspectiva neoconstitucional, escrito por Anna Priscylla Lima Prado e Angélika Souza Veríssimo da Costa, que aborda a perspectiva de gênero, sustentado a possibilidade de ir além da apresentação binária, que ainda é muito enraizada na sociedade brasileira. A norma constitucional exige uma hermenêutica principiológica, a fim de dar execução aos direitos sociais. Um ponto importante é a identidade social dos transexuais, mesmo após a cirurgia de redesignação sexual. O “ser transexual” ainda é motivo para um elevado e crescente número de homicídios no Brasil, apontando a necessidade da prática da efetiva igualdade entre as pessoas. A discussão de e sobre o gênero nas escolas é um caminho importante para se fomentar o respeito a essa temática.

Na sequência, o leitor encontrará o artigo: A Lei de acesso à informação no Brasil e Uruguai: um estudo comparativo ante a trasnacionalidade do direito à informação, de autoria de João Francisco da Mota Júnior. O autor inicia o texto distinguindo “transnacionalização” de “globalização”. Aqui se estuda a transcendência de Estado, sem preocupação com os limites territoriais. O direito à informação é um direito sem fronteiras. Por isso, terá cada vez mais dificuldades para ser efetivamente protegido pelo Direito. A lei brasileira é de 2011 e a lei uruguaia é de 2008. Ambos os textos legais apresentam pontos positivos e negativos. No Uruguai existe um recurso especial – que traz características distintas do recurso de amparo, para proteger a integridade e a confidencialidade das informações. No Uruguai ainda existe a possibilidade do sigilo eterno, o que não existe no Brasil. O estudo de Direito Comparado se apresenta como uma ferramenta metodológica significativa para a compreensão da evolução de determinados ramos novos que surgem no cenário da inovação tecnológica.

O artigo intitulado Análise dos aspectos jurídicos legais decorrentes da redesignação sexual como forma de exercício dos direitos da personalidade, escrito por Paulo Joviniano Alvares dos Prazeres, aborda o tema relacionado às dificuldades da inserção do transexual em uma categorização da distinção binária. O nome social não atende às necessidades dos transexuais e a questão registral trazem questões jurídico-sociais que ainda carecem de uma solução que menos ofenda a dignidade da pessoa humana. No bojo das discussões levantadas por estas duas questões se verifica a complexidade da plenitude do exercício dos direitos da personalidade, que se encontram inscritos no Código Civil atual.

O próximo artigo, intitulado: Capitalismo, defesa do consumidor e justiça: uma visão a partir da perspectiva da sociedade de consumo instituída enquanto modo de vida no contexto social do século XX, escrito por Renata de Carvalho Ferreira Machado e Emerson Duarte de Souza Pires, aborda a importância do direito à informação na rotulagem dos produtos transgênicos e os seus reflexos na chamada “sociedade de consumo”, a partir de Baumman, Lipovetzky, Nancy Fraser, entre outros. O art. 170, da CF/88, como um referencial para a defesa do consumidor, o que se mostra ineficaz, a partir das estruturas do capitalismo, que se nutrem por meio do consumo em massa e, muitas vezes, sem uma devida informação dos diversos efeitos que tal postura social contemporânea poderá gerar.

Por meio do artigo: Crítica ao conceito de mínimo existencial na perspectiva da Teoria das Necessidades de Agnes Heller, da lavra de Léa Maria Massignan Berejuk, é trazido o estudo o mínimo existencial – hoje, é uma espécie de mínimo vital; as necessidades humanas – e a partir desta perspectiva a autora do artigo apresenta as contribuições de Agnes Heller, que trabalha a teoria das necessidades, expressas em sentimentos, não apenas alimentação, medicamentos, mas amar e ser amado. De acordo com Heller, todo ser humano tem as seguintes necessidades: o consumo; a democracia formal, a estrutura das necessidades – que vem da tradição – as transformações são lentas e graduais; a participação democrática, para inserir as pessoas no contexto; o trabalho; necessidades manipuladas – o reflexo da sociedade de consumo, as necessidades acabam sendo infinitas; participação política; o lazer e a dificuldade de conciliá-lo com o trabalho; incentivo aos jovens na participação política; a necessidade da religião; a ética; liberdade de escolha; socialização; tradições e mudanças. Por meio destes elementos é que se deveria avaliar a extensão e a medida do atendimento a tudo aquilo que se pretende inserir sob o título do “mínimo existencial”.

O artigo que tem como título: Contradição fática na efetivação dos direitos fundamentais sociais, de autoria de Filipe Augusto Silva, estuda algumas contradições presentes na satisfação de direitos básicos, com um aporte financeiro significativo por parte do Estado. Existe uma limitação nesta questão, pois se estabelece uma relação entre a escassez de recursos e as necessidades da sociedade (as demandas por efetivação de direitos fundamentais). Medidas propostas pelo trabalho: a integração informacional entre os 3 poderes, em forma de decisões dialógicas, buscando uma prestação qualitativa dos direitos fundamentais, especialmente por meio de políticas públicas para atender às demandas a médio e longo prazos.

Em continuação, se poderá ler o trabalho intitulado: Direito à saúde como manifestação de vida-digna, escrito por Juliana Cristina Borcat e Alinne Cardim Alves Martha, examina a saúde como um exemplo do núcleo existencial do indivíduo. O estudo se deu a partir dos casos de fissurados do lábio palato, que são tratados pela área da saúde da USP, por uma equipe multidisciplinar. O trabalho pretende inserir o Direito nesta equipe, especialmente a partir de um tratamento/acompanhamento desde o nascimento das crianças que apresentam as características deste caso de saúde.

O artigo que tem como título: Neoconstitucionalismo e tutela das pessoas com deficiência pelo Poder Judiciário: perspectivas de uma jurisdição inclusiva na América do Sul, de autoria de Mariana Camilo Medeiros Rosa, traz o estudo comparado a partir do Brasil, Colômbia e Argentina, que possuem índices consideráveis de pessoas com deficiência. Aí a justificativa para a sua escolha no contexto da América Latina. No Brasil, em dados de 2010, são 23% de pessoas que se declaram com alguma deficiência. Nos outros 2 países os índices são bem menores. O artigo examina, ainda, a força normativa dada aos princípios, no Brasil, a partir da CF88, na Argentina em 1990, e na Colômbia em 1994. Discutiu-se a passagem do princípio da igualdade para o direito à igualdade. As ações afirmativas ou discriminação positiva são mecanismo para implantação da inclusão das pessoas com alguma deficiência.

No seguimento se encontra o artigo: O direito de tentar: a utilização de substância experimentais em pacientes terminais como hipótese concretizadora dos direitos à vida e à felicidade, de autoria de Patrícia Vieira de Melo Ferreira Rocha e Alicio de Oliveira Rocha Júnior, onde os autores trazem os contornos de um “novo” direito fundamental, ou seja, de um direito de tentar usar substâncias experimentais, com fundamento na dignidade da pessoa humana e da auto-determinação de cada indivíduo. Vale dizer, cada pessoa sabe o que é melhor para ela mesma e este direito subjetivo deverá ser reconhecido pelo Ordenamento Jurídico. A questão que se contrapõe ao direito de tentar são os riscos que poderão ser gerados ao usuário. Este direito tem uma dupla perspectiva: é uma forma de concretizar o direito à vida, mas também é um direito de relativizar este direito. Por isso, deverá receber atenção por parte do Direito, fundado no amplo esclarecimento sobre todos os possíveis desdobramentos que este “direito de tentar” poderá trazer para o seu titular. Este direito tem previsão constitucional na Colômbia.

A seguir se encontra o artigo intitulado O dever constitucional de emancipação das minorias, escrito por Sérgio Tibiriçá Amaral e Flademir Jeronimo Belinati Martins, que traz as contribuições oriundas de decisões judiciais produzidas na Alemanha, França e Estados Unidos, buscando defender um direito/dever constitucional das minorias. Os autores observam que a criação de políticas de cotas é insuficiente, notadamente pela falta de candidatos, em muitos casos, para utilizá-las. Por isso, apontam para a necessidade de ações emancipatórias, expressas por meio de políticas públicas que busquem concretizar a emancipação das minorias.

Depois se pode ler o artigo O dever fundamental dos pais de educar os filhos: porque a educação necessita de esforços pessoais, elaborado por Adriano Sant’Ana Pedra, que destaca a necessária interrelação entre os direitos e os deveres fundamentais, especialmente no tema relacionado à educação dos filhos, que acaba aproximando os pais e o Estado. Ambos têm parcelas específicas na concretização deste direito fundamental, cujo titular são os filhos. Mesmo em escolas privadas se terá a ingerência do Estado, assim como nas escolas públicas deverá haver a efetiva participação dos pais.

Na sequência se encontra o texto intitulado O trabalho infantil e a violação dos direitos fundamentais, da lavra de Suzete da Silva Reis e André Vianna Custodio, que estuda os efeitos que o trabalho prematuro poderá gerar no desenvolvimento das crianças. Apesar das diversas ações para minorar a ocorrência desta situação, o índice do trabalho infantil ainda é bastante elevado. Atualmente existem diversas atividades que acabam atraindo as crianças, como o trabalho de modelo, de artista, como jogador de futebol, entre outros, que disfarçam um trabalho infantil. Há diversos pontos de atenção, pois os efeitos são gerados do presente para o futuro destas crianças, notadamente na qualidade de vida e os custos à saúde pública.

Se percebe a grande diversidade de temas novos que se inscrevem sob o título dos Direitos e Garantias Fundamentais, sinalizando a ampla gama de possibilidades para a promoção da inovação no Direito. Espera-se que os textos a seguir apresentados possam ser o ponto inicial para ampliar os horizontes de sentido para o Direito no Século XXI.

Os organizadores desejam uma excelente leitura.

Prof. Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini - Programa de Mestrado em Direito do UNICURITIBA

Prof. Dr. Wilson Engelmann - Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado; e Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios, ambos da UNISINOS

ISBN:978-85-5505-254-5

Trabalhos publicados neste livro: