XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS II

O constitucionalismo clássico liberal é a afirmação histórica da luta pela limitação do poder do Estado. Nas revoluções burguesas, diante de um Estado absolutista com poder de vida e morte sobre seus súditos, isso significava restringir a ação do governante. Não se esperava nenhuma prestação do Estado. Lutava-se, apenas, para que o governante não privasse os súditos de sua vida, de sua liberdade e de seus bens. Surgia a clássica ideia de liberdade negativa, liberdade que exigia um dever de abstenção por parte do Estado, um não-fazer. Em alguns países, tal reivindicação significava a efetivação de uma tradição – afinal, na Inglaterra, várias leis esparsas já restringiam a ação do governante ou a subordinava à prévia aprovação do Parlamento desde o século XII. Em outros, como na França, o constitucionalismo significava uma ruptura e a inauguração de uma nova ordem, de que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi o melhor exemplo.

Ocorre que, na esteira da conquista de liberdades civis e de direitos políticos, a burguesia acabou garantindo, também, uma grande liberdade econômica. Com a reduzida regulação estatal do mercado de trabalho, a Revolução Industrial acabou acentuando os processos de exploração da mão-de-obra e recrudescendo a desigualdade social. Em reação a tal cenário, surgiram duas alternativas ideológicas: uma, defendendo um giro à esquerda com a supressão da propriedade privada, a superação da luta de classes e, até mesmo, com o fim do próprio Estado (comunismo/anarquismo); outra, apontando um giro à direita defendia a restrição das liberdades individuais em prol de um Estado forte cujos interesses, interpretados pelo governante aclamado pelo povo, prevaleceriam em qualquer ocasião (fascismo/nazismo).

Uma terceira alternativa, porém, surgiu no seio do próprio constitucionalismo. Em 1919, a Constituição de Weimar já apontava para um novo papel do Estado. Não bastava mais a proteção das liberdades que exigissem, a princípio, um não-fazer estatal. Para superar as grandes assimetrias sociais causadas pela Revolução Industrial, passava a ser igualmente exigível do Estado um dever de prestação. O Estado liberal daria lugar a um Estado de Bem-Estar Social, um novo desenho estatal em que vários direitos deveriam ser atendidos, como o de acesso à educação, à saúde, à assistência social, ao lazer, à moradia, dentre outros. Tais direitos, afirmados historicamente como reação à exploração gerada pelo liberalismo burguês, tinham um forte caráter equitativo. À liberdade, somava-se a igualdade. Consagrou-se, assim, uma clássica distinção dos direitos entre positivos e negativos, ou seja, direitos que exigiam uma prestação estatal, como os direitos sociais (o direito à saúde, por exemplo), e direitos que se voltam contra o Estado, limitando-o e pretensamente exigindo sua inação, tais como os direitos civis (a liberdade de ir e vir, por exemplo).

Ocorre, porém, que tal classificação serve apenas para fins metodológicos. Na realidade, levar os direitos a sério corresponde a levar a escassez a sério, na medida em que todos os direitos importam em custos econômicos, ainda que estes correspondam ao ônus exigidos pela garantia correspondente. Por isso, todos os direitos são, em alguma medida, propriamente positivos. Aquele que sofre uma prisão ilegal ou abusiva e é privado de sua liberdade de locomoção maneja o "writ" constitucional do "habeas corpus" que, embora gratuito para quem o impetra, gera para o Estado um custo de manutenção do magistrado e de toda a estrutura judiciária que lhe serve de suporte para que o paciente possa ver-se solto.

O direito de propriedade, que também costuma ser classificado como negativo, igualmente envolve custos em sua proteção: afinal, não devem ser contabilizados na conta da garantia deste direito a manutenção de um sistema criterioso de registros de imóveis que torna a sua transferência confiável, ou da estrutura judiciária capaz de decidir e cumprir os pedidos de reintegração de posse ou das Forças Armadas com poderes e equipamentos para reprimir as pretensões de conquistas territoriais dos demais Estados?

Assim, a distinção entre direitos civis ou de primeira dimensão e os direitos sociais ou de segunda dimensão não reside propriamente na natureza dos mesmos – se negativos ou positivos –, mas sim, relaciona-se ao grau de planejamento estatal necessário para sua implementação. No Brasil, as condições para sua efetivação se mostraram mais propícias após 1988, com impacto repercussivo na forma como o Judiciário passou a apreciar tais questões. A passagem do "government by law" para o "government by policies" exige das funções do poder uma outra forma de governança que ainda tem sido fruto de reflexões acadêmicas e de gestão.

Neste caderno, estão várias delas. Que os leitores possam aproveitar de suas reflexões para fazer avançar no país a superação das desigualdades com participação popular e responsabilidade de planejamento financeiro-orçamentário.

Organizadores:

Prof. Dr. Antônio de Moura Borges - UCB/UnB

Prof. Dr. Douglas Antônio Rocha Pinheiro - UnB

Profa. Dra. Janaína Machado Sturza - UNIJUI

ISBN: 978-85-5505-450-1

Trabalhos publicados neste livro: