XXIV Congresso Nacional Do CONPEDI - UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara
SINDICALISMO E RELAÇÕES COLETIVAS NO SETOR PRIVADO E NO SETOR PÚBLICO I

Sindicalismo e relações coletivas no setor privado e no setor público

O grupo de trabalho "Sindicalismo e Relações Coletivas no setor privado e no setor público" se articula a partir de uma temática específica de estudo, que foge às classificações tradicionais das disciplinas jurídicas. Tal opção se assenta em uma concepção teórico-metodológica que privilegia uma abordagem interdisciplinar do fenômeno estudado – o sindicalismo e as relações coletivas – que não se esgota nas fronteiras definidas do Direito do Trabalho ou do Direito Coletivo do Trabalho.

O foco nas “relações coletivas nos setores público e privado” pretende romper com tal dicotomia clássica e que não mais se sustenta no início deste século XXI. Objetiva perceber a complexidade do fenômeno do sindicalismo no Brasil, em que distintas trajetórias históricas e políticas (estimuladas pelos marcos normativos absolutamente diferenciados com os quais foi maturada a atuação sindical nos espaços da administração pública direta e autárquica e das relações de emprego no setor privado) se apresentam.

Falar em relações coletivas envolve uma opção metodológica distinta já que pressupõe o reconhecimento de novas fontes de produção jurídica, que transbordam o campo das relações de emprego e das regras estatais (Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva. Relações Coletivas de Trabalho. São Paulo, LTr, 2008, p.30). Segundo Giuliano Mazzoni, relação coletiva de trabalho é a “relação entre coletividades de fato ou sujeitos de direito, na qual se considera também a participação do indivíduo, porém como membro de uma coletividade; tal relação pressupõe, no campo do trabalho, os interesses coletivos de empregadores e trabalhadores.” (Relações Coletivas de Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p.110), sendo certo que o direito correspondente se caracteriza por regras de caráter instrumental, organizativo e preceptivo (Gino Giugni, Introduzione allo studio della autonomia collettiva. Milano, Giuffrè Editore, 1977). Assim, intrínseco ao estudo das relações coletivas está a compreensão das relações de força, das disputas de poder, do contexto sócio-político e econômico na qual se desenvolvem. Deste modo, a interdisciplinaridade é consubstancial ao campo de análise e a proposta inovadora do Grupo de Trabalho apresentada pela docente coordenadora, Maria Rosaria Barbato, vinculada à Universidade Federal de Minas Gerais, visa permitir a troca de saberes e reflexões a partir de um campo analítico e não de uma disciplina jurídica estruturada.

Registre-se que o movimento sindical - embora abalado diante da restrição de seu campo de representação pelo encolhimento dos vínculos empregatícios e sua dificuldade em representar segmentos atípicos e setores excluídos do mercado de trabalho - permanece como ator relevante (e que merece ser estudado), apesar de tantas leituras que decretavam seu declínio permanente em direção à extinção, como bem observam David Cattani e Silvia Maria de Araújo: “Entretanto, os necrológios pessimistas e as acerbadas críticas às insuficiências da ação sindical desconsideram o caráter insubstituível dos sindicatos na defesa dos trabalhadores e sua atuação histórica em assegurar a dignidade do e no trabalho. Verifica-se que a propalada ‘crise do sindicalismo’ mais se inscreve no caráter original de representação dos trabalhadores, do que significa uma efetiva derrocada da instituição sindical. Atualmente, configura-se uma fase de transição para a atuação sindical, de busca de bandeiras reivindicatórias amplas, não mais centradas na questão salarial, para fazer frente às identidades sindicais em mutação...” (Sindicalismo contemporâneo. In: David Cattani e Lorena Holzmann (Orgs.) Dicionário de trabalho e tecnologia. 2ª ed. Revista e ampliada, Porto Alegre, RS, Zouk, 2011, p. 332).

A complexidade do campo de análise é desafiadora e nos inspira a persistir destacando a importância do estudo do sindicalismo para a democracia e para a distribuição efetiva dos recursos de poder nas sociedades contemporâneas. Quiçá se consolide a proposta no âmbito do CONPEDI, e que seja acompanhada de uma progressiva melhoria dos trabalhos, de modo a permitir a consolidação dos densos debates que ocorreram no grupo, facilitado pela boa relação entre tempo de apresentação e número de inscritos.

O livro que ora se apresenta contém trabalhos que foram selecionados por avaliadores escolhidos pelo CONPEDI para serem apresentados ao Congresso de Belo Horizonte, sob organização da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC) e da Escola Superior Dom Helder Câmera. Destacamos os quatro primeiros os artigos apresentados como representativos da pluralidade das discussões. Partindo de uma compreensão de que o Direito o Trabalho é fruto de lutas sociais por justiça redistributiva, e da existência de uma falta de legitimação dos movimentos sociais tradicionais que se organizam em torno da busca da justiça distributiva, os autores de “O sindicalismo no século XXI: entre a necessidade de redistribuição de bens materiais e o clamor pelo reconhecimento das diferenças” - Italo Moreira Reis e Maíra Neiva Gomes - propõem um “diálogo entre os principais teóricos do Princípio do Reconhecimento – Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser – para buscar construir um conceito de justiça, que englobe as dimensões da necessidade de redistribuição de bens materiais e do reconhecimento das diferenças.” Os autores pretendem “oferecer instrumentos que possam auxiliar o sindicato, principal fonte material do Direito do Trabalho, a edificar um conceito interpretativo da dignidade, capaz de atender os anseios das minorias sociais, hoje invisíveis às teorias homogeneizadoras, que construíram os princípios norteadores deste ramo das ciências jurídicas”. Em “As entidades sindicais como intérpretes da norma na sociedade aberta de Peter Häberle”, Manuela Corradi Carneiro Dantas e Tacianny Mayara Silva Machado analisam “o papel das entidades sindicais enquanto intérpretes da norma na sociedade aberta proposta por Peter Haberle na defesa dos interesses de seus representados, considerando-se seu papel inestimável na atuação coletiva e sua finalidade institucional para atuar de forma ativa na interpretação da Constituição e das legislações ordinárias.”

A professora Mirta Gladys Lerena Manzo De Misailidis apresenta seu artigo “ A projeção do direito coletivo do trabalho no mundo rural: da vulnerabilidade à sustentabilidade” escrito em coautoria com Awdrey Frederico Kokol no qual a temática do trabalho rural emerge com força e relevância. Segundo os autores, o trabalho tem como objetivo “a análise do amparo jurídico conferido aos trabalhadores do mundo rural em sua perspectiva individual e coletiva, considerando a exploração de um setor com baixo índice de escolarização e enfraquecimento das organizações sindicais dos trabalhadores rurais. Além dessa realidade, a pesquisa constata uma série de problemas que dificultam o engajamento dos jovens canavieiros à entidade de classe, dos quais cabe destacar: a grande mobilidade dos trabalhadores que trocam de empregador e de cidade de uma safra para outra e, o mais complicado, a que diz respeito ao rígido controle exercido pelos capatazes, empreiteiros e usineiros sobre os trabalhadores. Constata-se ainda a complexidade das relações coletivas no âmbito da organização sindical, o que todavia, não tem impedido as organizações de se envolverem em projetos tripartites como o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar e a agenda do Trabalho Decente. A pesquisa demonstra que as relações que envolve o mundo rural do cortador de cana demandam muito mais do que o amparo jurídico do direito trabalhista, exigindo o debate de toda a sociedade sobre um projeto real de sustentabilidade.”

Registramos ainda o interessante estudo sobre “Sindicato por empresa e a estrutura sindical brasileira” do Dr. Renan Bernardi Kalil, mestre em Direito pela USP, no qual realiza a abordagem das particularidades da forma organizativa estabelecida por tal critério de agregação e apresenta como a “doutrina compreende a organização dos trabalhadores dessa maneira e a compatibilidade do referido critério com o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro.”

Além destes artigos, registramos o ensaio “A atualização da ação sindical para os desafios da contemporaneidade” de autoria de Márcia Regina Lobato apresentado em co-autoria com o professor Vitor Salino de Moura Eça, no qual os autores advertem a necessidade do Brasil incorporar na ordem jurídica a Convenção Internacional 87 da OIT. Além do papel que deve desempenhar o sindicalismo no momento atual, diante dos desafios que vive o Pais: crise social, econômica e política e, especificamente na defesa da classe trabalhadora, mediante a manutenção e promoção dos postos de trabalho.

Em “As Contribuições Sindicais e a Liberdade sindical do Trabalhador Celetista” de Rubens Patruni Filho, o autor questiona a liberdade sindical prevista na norma constitucional no caput do art. 8° da CF/88 e, paradoxalmente a exigência compulsória das contribuições sindicais aos trabalhadores não associados às entidades sindicais. Para o autor, trata-se de um fato que por si só, representa o cerceamento da mencionada liberdade prevista no texto constitucional. Já no artigo intitulado “Reflexões sobre o Impacto da compulsoriedade da Contribuição Sindical”, as autoras Deborah Delmondes De Oliveira , Daniela Ramos de Oliveira dos Santos defendem a manutenção da contribuição sindical por considerá-la um meio de sustentação da estrutura sindical. As articulistas esboçam a preocupação com a fragilidade de muitas entidades de classe, na manutenção de seus das atividades de representação da categoria que, apenas sobrevivem com a mencionada contribuição, em decorrência da baixa taxa de associados aos sindicatos representativos da categoria dos trabalhadores assalariados. Por fim, foi apresentado o artigo “Responsabilidade Civil do Sindicato pela greve” de Renato Chagas Machado”, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Villatore. O autor no seu artigo destaca que não existe um direito absoluto. Portanto adverte, que a greve, apesar de representar o direito de autotutela dos trabalhadores, reconhecido constitucionalmente nos ordenamentos jurídicos dos países democráticos, é passiva de reparações de danos, caso provoque prejuízos ao patrimônio da empresa ou se constate a greve abusiva. Todavia, cabe ao sindicato responder objetivamente e solidariamente pelos danos causados pelos grevistas envolvidos no movimento paredista.

Um conjunto de artigos de matizes distintas, inspirados por metodologias diferenciadas, que expressam concepções metodológicas e doutrinárias diferenciadas e que registram estágios distintos das trajetórias de seus autores e dos debates acadêmicos atualmente existentes na pluralidade de instituições de ensino de Direito em nosso país.

Belo Horizonte, novembro de 2015.

Maria Rosaria Barbato - Universidade Federal de Minas Gerais

Mirta Gladys Lerena Manzo De Misailidis - Universidade Metodista de Piracicaba

Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva - Universidade Federal do Rio de Janeiro

Coordenadoras do Grupo de Trabalho

ISBN:978-85-5505-139-5